Os Antípodas

1 de jul de 20147 min

Pedal na estrada, de Bom Jardim-RJ a Belo Horizonte-MG

Atualizado: 7 de abr de 2020

Finalmente chegou o grande dia. O domingo amanheceu dorminhoco, assim como o Alan, que resiste em levantar. São 5:30 da manhã e somos acordados com o despertar do alarme. É hora de pular da cama e cair na estrada.

Planejamos durante algumas semanas esta que será a mais longa de nossas viagens (até o momento). Vamos para Belo Horizonte-MG, saindo de Bom Jardim-RJ, a cerca de 450 km de distância . A topografia é ainda relativamente desconhecida; não sabemos se teremos muitas subidas, se a estrada é boa, se há um tráfego intenso; mas nada nos impede de seguir nosso caminho, diante da ernome vontade de pedalar e descobrir novos povoados, ver a beleza da natureza e sentir um pouco de “drama”, essencial para nossa existência.

Serão 7 noites e 8 dias de viagem a princípio, e fazer a mala para tal empreitada já é nosso primeiro desafio. Temos que levar somente o essencial no bagageiro de nossas bikes. Decidimos levar somente duas mudas de roupa, uma para pedalar e uma para usar após a pedalada, além de uma blusa de frio e da capa de chuva. Cuecas e calcinhas também serão duas, ou seja, lavaremos e trocaremos diariamente. Levamos também um fogareiro feito com latinha de cerveja, que nos possibilitará cozinhar e, portanto, nos tornar mais independentes e economizar com a comida.

Em nossa mala há espaço para as comidinhas. Nossa alimentação será à base de frutas, bananadas ou goiabadas (cheia de energia = açúcar), frutas secas, sopa de ervilha e tapioca. Os dois últimos itens são nosso jantar, preparado no local onde iremos passar a noite. A tapioca fazemos com polvilho doce ou azedo, misturado com água até dar o ponto da massa, formando umas bolotinhas, e depois mandamos pra panela; é uma autêntica comida brasileira, vinda de nossos irmãos indígenas. Outro item essencial é a água; a verificação do nivel de água em nossa bolsa é uma constante durante a viagem (levamos de 1,5 a 2L de água por dia para tomarmos, que podem ser reforçados por sucos ou caldo de cana, se encontrarmos pelo caminho).

Malas prontas, bicicleta montada; é hora de colocar o pedal na estrada, e aproveitar cada segundo desta viagem. Todas as manhãs antes de tomar o desjejum realizamos uma prática de yoga, chamada Saudação ao Sol. É uma forma de aquecer nosso corpo para o dia de grande esforço fisico e principalmente aquecer nosso espírito, que se enche de energia do universo.

Planejamos pedalar até cidades que se distanciam entre 40 a 60 km umas das outras, e realizaremos algumas paradinhas a cada 20 km para nos alimentar e descansar o corpo. Durante o planejamento da viagem, pesquisamos lugares para pernoitar, assim deixamos a barraca para traz, afim de diminuir o peso com bagagem. Enviamos muitos e-mais às pousadas/hotéis , mas não recebemos respostas, então fomos com coragem, e a busca por um quarto ocorreria quando chegássemos na cidade.

A primeira cidade para nosso decanso seria Carmo, uma cidadezinha do estado do Rio de Janeiro, mas como estamos com a corda toda resolvemos dar uma esticadinha e assim nossa primeira noite passamos já no estado de Minas Gerais, na cidade de Além Paraíba.

Além Paraíba fica na divisa de RJ e MG. Cidade grande para os padrões da região, com tráfego intenso de caminhões e carros na estrada. Saímos pela manhã depois de tomar um delicioso café da manhã. Próximo destino será Leopoldina. Enfrentamos muita subida saindo de Além Paraíba, o que levou a um desgaste físico intenso; pedalamos muito. Parando em um restaurante de beira de estrada, que estava muito movimentado, perguntamos quando ainda faltava para chegar à Leolpodina e veio a grande surpresa: 5 km depois de uma longa descida. Ô coisa boa sô! E como recompensa recebemos de brinde um lindo pneu furado. O único da viagem. Valeu a experiência! Chegamos cansados e famintos. O corpo irá aproveitar cada minutinho de descanso.

Leopodina nos pareceu uma cidade do porte de Além Paraíba; suas ruas de pedrinhas e tráfego intenso nos deixaram um tanto perdidos. Pergunta aqui, pergunta ali, até que encontramos um lugarzinho muito barato e interessante para passar a noite.O hotel ficava no fundo de uma loja.

Terceiro dia de pedalada, saímos de Leopodina por volta das 8 da manhã, após receber uma lubrificação gratuita de nossas correntes em uma bicicletaria que estava ao lado do hotel, a Terré Bikes. O dono da bicicletaria, Terré, ficou surpreso ao ouvir que não tínhamos uma equipe de apoio nos seguindo com um carro, e que nossa viagem é pura diversão e prazer, financiada por nós mesmos.

Seguimos rumo a BH, agora um tanto anciosos quanto a uma serra que existe antes de se chegar a Barbacena (a alcançaríamos em dois ou três dias), mas vamos falar disso mais tarde. Indo no sentido da cidade de Cataguases, é só seguir em frente, nosso próximo ponto de descanso será Rio Pomba. Chegamos com o finalzinho do jogo entre Brasil x México. A cidade estava parada, pois além do jogo da seleção, era feriado municipal, todos os estabelecimentos estavam fechados. Entramos em um quiosque de lanche aberto e lá foi o Alan perguntar. Nos indicaram um hotel para ficar. Foi maravilhoso, ambiente familiar, roupa de cama cheirosinha, um delicioso café da manhã e ainda se encontra próximo à saída da cidade. Nesta viagem recebemos muito carinho dos lugares onde ficamos; felizes com tanta hospitalidade \o/.

Levantamos com um friozinho e seguimos viagem, nosso quarto dia na estrada, agasalhados e animados para chegar ao próximo destino, Santa Bárbara do Tugúrio, situada no pé da serra. O dia passou tranquilo, a pedalada fluiu bem, e quando notamos, 45km já haviam sido percorridos; chegamos à cidade na hora do almoço. Facilmente encontramos um hotel, numa cidade pequena e acolhedora. Adoramos Sta Barbara. Resolvemos não cozinhar e aproveitamos para comer uma comidinha mineira para ganhar mais energia, se é que precisávamos.

Comemos bem, e muito. Ufa! Arroz , feijão, angu, 2 ovos, salada e sobremesa para completar. Barriga cheia, corpo cansado, agora á aproveitar o dia na cidade. Passeamos e dormimos bastante. No dia seguinte, com a energia renovada, após um café da mahã dos Deuses onde ganhamos suco de laranja e várias mexericas para levar, partimos com uma linda lembrança da cidade que melhor nos acolheu. Helena, a dona do Hotel nos levou até a porta. Quanta simpatia!

Seguimos rumo à cidade de Ressaquinha. Agora é subir a serra e aproveitar. Saímos com bastante energia, para enfrentar a longa subida, que nem foi tão puxada assim. Levamos 2 horas para percorrer 11 km, realizando algumas paradinhas para beber água e nos alimentar. No final da serra fomos presenteados com uma linda vista dos morros de Minas Gerais.

Chegamos à famosa BR 040, trânsito pesado, muitos ônibus e carretas, mas a existência de um largo acostamento nos deixa tranquilos para seguir viagem. Passamos por Barbacena e seguimos até Ressaquinha. Perdemos o acostamento, e para nossa segurança resolvemos pedir carona, que não tardou em aparecer.

Lucas, um jovem de 20 e poucos anos, dirigindo uma carreta cegonha de 27,5 metros de comprimento, nos surpreendeu com um belo e generoso gesto: nos levou até Conselheiro Lafaite com segurança e tranquilidade. Podíamos ter seguido até Betim, já na divisa com Belo Horizonte, mas queríamos passar por Conselheiro. Então, muito felizes e agradecidos, descemos da cegonha rumo ao nosso penúltimo destino.

Sim, nosso penúltimo destino, pois o trânsito que liga Belo Horizonte a Lafaiete é um dos mais perigosos. Muitas carretas, caminhões, ônibus, carros e uma pista sem acostamento. Região de inúmeras mineradoras e principal ligação entre diversas cidades-pólo. Já estava nos planos pegar um ônibus para Belo Horizonte neste ponto.

A cidade nos assustou com seu tamanho, seus vários morros e seu trânsito carregado. Cidade grande, pessoas correndo, em pleno feriado de Corpus Christi. Encontrar um hotel barato não foi fácil, tudo muito caro. Arrependimento por não ter continuado com o Lucas (da carreta)? De maneira nenhuma, tudo é aprendizado e faria parte da nossa história passar por uns stresses . Não desistimos, e como que num milagre de feriado, encontramos no hotel que leva o nome da cidade, o preço mais interessante e supreendentemente o maior quarto de todos.

Que beleza!!!! Brindamos com uma caipirinha esperta e com um banho de chuva, comemorando o final de 5 dias de pedaladas consecutivas. Foram aproximadamente 300Km de bike e 60Km de carona.

Pecorridos os 90 km restantes dentro de um ônibus, com nossas bikes no bagageiro (e sem precisar desmontar), chegamos à Belo Horizonte.

A viagem foi um sucesso. Aprendemos que temos força para realizar qualquer viagem, que encontraremos pessoas boas e atenciosas pelo caminho; que a beleza da natureza , dos cantos dos passarinhos, dos gritos de apoio, das buzinadas amigáveis dos carros, são os maiores motividadores para vencer preconceitos sobre o cicloturismo (viajar em bicicleta). O drama de vencer cada morro que se apresenta é o que nos dá ganas de continuar, e um prazer enorme em olhar para trás e ver que conseguimos.

Afinal, a alegria não está no destino e sim no caminho percorrido (frase do filme “Poder Além da Vida”). A alegria de vencer cada quilômetro, de descobrir novas paisagens, de conhecer um senhor que vende uma jarra de 1 litro de garrapa a 4 reais; de ver os sorrisos das pessoas com quem cruzamos na estrada, de receber a benção de proteção de pessoas desconhecidas. Tudo isso não tem preço nem descricão, é simplesmente a alegria de poder caminhar...

Distâncias aproximadas percorridas:

Bom jardim a Além Paraíba: 75Km

Além Paraíba a Leopoldina: 50Km

Leopoldina a Rio Pomba: 74Km

Rio Pomba a Santa Bárbara do Tugúrio: 45Km

Santa Bárbara a Ressaquinha: 47Km

Ressaquinha a Conselheiro Lafaiete (carona): 60Km

Conselheiro Lafaiete a Belo Horizonte (ônibus): 90Km

Hotéis e pousadas onde ficamos:

Além Paraíba - Hotel da Santinha. Rua Coronel Oscar Cortes, 160, Porto Novo. (32)3462-3122.

Leopoldina - Hotel Avenida. Avenida Getúlio Vargas, Centro.

Rio Pomba: América Hotel. Rua Doutor José Reis dos Santos, nº 12, Jardim América. (32) 3571-2334.

Santa Barbara do Tugúrio - Hotel Siqueira Paiva. Praça José Batista Machado, nº 5, centro. (32) 3365-1118.

Conselheiro Lafaiete - Hotel Lafaiete. Rua Barão de Coromandel, nº 81, centro. (31) 3763-8331.

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