Projeto Ciclos – Diário de bordo 28
Em nossos últimos dias no Ashram Janajpacha, em Quilacollo, organizamos uma oficina sobre saneamento ecológico e bioconstrução. Nela mostramos um vídeo de nossa experiência de bioconstrução com indígenas xavantes no Brasil, o projeto TIBA’uwe, e depois fizemos uma pequena oficina sobre diferentes tipos de banheiros (sim, de banheiros!), ou seja, diferentes tecnologias para tratamento de fezes e urina, e suas respectivas consequências no meio ambiente. Para minha alegria, também pude fazer um projeto de melhoramento do tratamento de águas negras (água dos banheiros) do Ashram; assim, pude deixar uma contribuição ao lugar e ganhar mais experiência prática .
Para finalizar nossos dois meses de estadia no Ashram (fomos com a ideia de ficar por duas semanas, hehe), participamos do Inti Raymi, o ano novo Inca, comemorado no solstício de inverno, que é o dia do ano em que há menos horas de luz; isso simbolizava, para os incas, a morte do sol, e, no outro dia, o seu renascimento, e era a festa mais importante do ano para esta civilização. O solstício de inverno geralmente é comemorado no dia 21 de junho. Nesta morte simbólica do sol, aproveitamos para fazer reflexões sobre nosso último ano e escolhemos algumas características pessoais ou comportamentos que gostaríamos de deixar para trás; assim, cada um pôs estas informações num papel e, todos juntos, os queimamos numa fogueira ritualística cheia de energia. As atividades no Ashram duraram uma semana aproximadamente, período no qual conhecemos muitas pessoas lindas, escutamos ensinamentos de Chamalú e, claro, continuamos comendo a gostosa e nutritiva comida ovolactovegetariana preparada pela Marcela, em parceria com a Fany (chilena), e auxiliadas por uma grande equipe de voluntários, na qual eu me incluía.
Terminado nosso ciclo em Janajpacha, era tempo de seguir viagem! Depois de dois meses parados, já tínhamos vontade de viajar novamente em nosso carro, a AlMa. E nossa próxima parada foi a cidade de La Paz, mas chegar lá foi uma aventura! Saímos às seis da manhã e chegamos à casa de nosso amigo Alejandro às oito da noite, hahaha. Justo nesse dia havia nevado na montanha, então estivemos muitas horas parados na estrada, esperando que limpassem a neve, e que tirassem da pista carros e ônibus que se haviam chocado durante a nevasca ( nenhum com gravidade).
Nesse dia levamos uma fada conosco no carro: era nossa amiga Dorothy, uma alemã que viveu conosco no Ashram, e é uma bruxa em desenvolvimento (esqueçam a visão negativa que nos foi colocada sobre as bruxas; elas são, na verdade mulheres de sabedoria). Foi nossa primeira experiência levando alguém conosco na AlMa por tantas horas, e foi lindo! Nossa chegada em La Paz foi em meio ao trânsito mais maluco que já havia visto na vida!!! Muitos carros, principalmente vans de transporte público, vindo e indo por todas as direções, e parando em qualquer lugar; foi uma grande experiência dirigir lá, hahaha.
Ficamos duas noites em La Paz: Marcela e eu na casa de nosso amigo Alejandro (que eu havia conhecido no México há quatro anos e meio), e Dorothy foi para um hostel com um amigo. Em nosso dia turístico na impressionante cidade, que está numa cratera, andamos de teleférico, de onde se pode ter uma linda visão aérea da cidade (o teleférico é um meio de transporte para os cidadãos, como se fosse um metrô); depois, passeando pelo centro histórico, a Marcela me convenceu a comprar um ukelele, hahaha... E lá vamos nós com mais um instrumento musical!
Mas não podíamos sair da cidade sem sentir um pouco de drama, não é verdade? O que aconteceu foi que deixamos o carro no estacionamento gentilmente cedido pelo Alejandro, no subsolo do prédio onde ele vive; estávamos a quatro mil metros de altitude, no inverno, e não havia sol na garagem... adivinhem o que aconteceu? A AlMa não ligava; descarreguei a bateria tentando liga-la. Fui comprar um cabo de aço para rebocar carros, e lá foi o Alejandro rebocar a AlMa para fora da garagem, e depois até uma rua com boa inclinação para que ela pegasse no tranco; ela ligou nos três últimos metros antes de terminar a descida, e como soltou fumaça!!! Parecia o fumacê da dengue. No outro dia de manhã nos despedimos de Alejandro, de sua esposa, e de suas duas lindas e comunicativas filhas, e partimos para Copacabana, na beira do lago Titicaca. Na despedida, me presentearam com uma linda blusa da Bolívia e deram um guaraná Antarctica pra Marcela, que adorou o presente. Valeu Alejandro e família pela atenção, banho e cama quentes, presentes, e por toda essa boa energia nesse período tão curto!!!
Em Copacabana estivemos sete dias, hospedados num lugar pertencente ao Ashram Janajpacha, auxiliados por uma senhora argentina chamada Ñapu, que cuidava do lugar. Nossa ideia principal era ir visitar a Isla del Sol, uma ilha linda perto da cidade, mas, na primeira manhã, a AlMa não ligou novamente, nem no tranco. Pensando no que fazer, conhecemos um viajante francês de nossa idade que estava viajando de carro e era mecânico (lembrando que a AlMa é um carro francês, uma Citroen). Pensei: pode ser a nossa salvação! Ele ficou feliz por ver que estávamos viajando nesse modelo, que, segundo ele, tem um bom motor e é bastante confiável. Ele atrasou sua viagem por umas duas horas para nos ajudar a descobrir o que estava acontecendo. No final, seu diagnóstico foi: a AlMa não está preparada para a altitude, ou seja, está com “mal de altura”, era necessário fazer um ajuste em seu motor. Depois ele ainda nos rebocou com seu carro até o mecânico, e seguiu viagem... um anjo francês!!!
Esse ajuste na AlMa levou uns quatro dias, e no dia em que fui busca-la, bem cedo, para comprovar o trabalho, o mecânico não conseguiu liga-la, hahaha... só no tranco, com dificuldades. Depois dessas experiências, resolvemos nos adaptar à AlMa, e não o contrário: quando temos que sair cedo de algum lugar frio, vamos ligar o carro de noite e de madrugada, a cada quatro horas mais ou menos. Quando não temos que usá-lo de manhã, deixaremos ele num lugar com sol, para ligar de tarde. Assim, visitaremos menos mecânicos e estaremos mais tranquilos.
Por fim conseguimos visitar a Isla del Sol, com Dorothy e Frank, nossos amigos alemães, onde relaxamos por dois dias, nos hospedando num hostel que na verdade é a casa de uma família boliviana que vive lá, onde tínhamos uma vista fantástica do lago Titicaca e dos Andes nevados no fundo. O mais interessante foi dividir com eles sua cozinha, com fogo a lenha, no chão. Linda experiência!
A Bolívia foi um país especial, que nos surpreendeu positivamente, com tanta vida em suas ruas. 80% do comércio no país é informal, isso se nota facilmente... todos tem algo a vender, as pessoas são muito empreendedoras, e a diversidade cultural desse país formado por várias nações indígenas é impressionante.
O Peru, o sexto país a ser visitado, estava logo ali, há poucos quilômetros de distância...
Vamo que vamo!!!