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  • Alan Frederico Mortean

Valparaíso, a primeira impressão é a que fica?

Atualizado: 8 de abr. de 2020


Diário de bordo 19 do Projeto Ciclos

No dia 21 de novembro partimos de El Quisco, com nosso amigo anfitrião José nos acompanhando nos primeiros 15km, tentando se adaptar ao nosso ritmo “devagar e sempre”, hehehe. Íamos serpenteando pela costa, hora nos aproximando, hora nos afastando dela, hora vendo o mar, hora apenas vegetação e casas de campo.

Logo que José se despediu e voltou para El Quisco, Marcela disse que se sentia indisposta e tinha vontade de vomitar; depois de mais cinco quilômetros ela parou e vomitou. Havia pouco movimento na estrada, podia ser difícil encontrar carona caso ela não pudesse pedalar. Paramos para avaliar a situação, para ela tentar se reequilibrar e para eu tomar café-da-manhã, sob tensão. Naquele momento eu tinha um medo: a Marcela não conseguir pedalar até a próxima cidade, ou pior, desmaiar pedalando e se machucar, já que não havia comido nada no dia. Seguimos pedalando devagar, com a Marcela sempre na frente ditando o ritmo, e chegamos até a movimentada Ruta 68, que liga a capital Santiago a Valparaiso e Viña del Mar, na costa, os dois principais destinos do verão chileno.

Na Ruta 68, cheia de carros, podíamos tentar uma carona, que, apesar de eu não botar fé, veio em menos de meia hora, numa caminhonete de um construtor que ia para Viña del Mar, o Alexis, que desviou sua rota para nos ajudar e nos deixar em Valparaíso. Maravilha!!!

Desde a Argentina, havíamos combinado de chegar em Valparaíso no dia 22 de novembro, onde faríamos um trabalho voluntário ajudando na reforma de uma casa, ganhando hospedagem e comida em troca. Esse contato obtivemos pela rede Workaway (www.workaway.info).

Valparaiso é uma cidade importante no Chile, sede do Congresso Nacional, onde trabalham os deputados e senadores, e sede do Conselho Nacional de Culturas e Artes, o que lhe outorga o título de capital cultural chilena para alguns. Seu porto, que já foi uma importante rota de navegação, viu sua atividade e importância cair bastante depois da inauguração do Canal do Panamá, em 1914, que criou um atalho para os barcos irem do Oceano Atlântico ao Pacífico e vice-versa. A cidade é grande, cheia de morros e bem urbana; com cerca de 350 mil habitantes, é parte de uma conurbação com Viña del Mar e outras cidades, formando uma massa urbana de cerca de um milhão de pessoas.

Foto 1: Subindo sem olhar para frente.

Quanto à geografia, seus morros formam um anfiteatro natural ao redor da costa e da região plana chamada “plano”; a população vive nos morros e trabalha no plano, e tem seu transporte facilitado pelos populares “ascensores”, que são elevadores que facilitam a subida e descida dos morros. Andar por seus morros, nas ruas, passagens, becos e escadarias é um desafio para o senso de orientação de qualquer um, pois as linhas não são nada cartesianas. Assim, chegar à casa de Natalie, onde faríamos o trabalho voluntário, no morro Cordillera foi um feito que logramos com a ajuda do GPS e de moradores locais, mas sem “ascensor”, pois o que deveríamos tomar não estava funcionando.

A verdade é que não tive uma primeira boa impressão, por medo. No morro, já próximo da casa da Natalie, não senti segurança... uma mistura de preconceito e opinião alheia (diferentes pessoas ao longo da viagem nos haviam dito para tomar cuidado nesta cidade). Para nos lembrar que o medo só atrapalha, enquanto subíamos uma rua empurrando as bicicletas, um menino veio até nós com uma caixa nas mãos e nos estendeu uma pequena bolsa plástica com “ensalada de porotos” (salada de feijão); “Es para la ruta” (É para o caminho) disse ele, nos presenteando.

Natalie, de nacionalidade alemã, vive com seu companheiro Guillermo e sua filha. A casa é antiga, talvez tão antiga quanto a cidade (suspeitam que já foi parte de um forte espanhol), tem três pisos, várias paredes de adobe (bloco de barro sem queimar) e estrutura de madeira. Por fora, uma fachada típica da cidade: coberta com chapas de metal coloridas; sua posição, forma, altura e cores me fizeram lembrar um barco que parece querer descer o morro e se encontrar com o mar. Por dentro, muito trabalho de acabamento a fazer; materiais espalhados por toda a casa, muitos deles para serem reutilizados, como peças de madeira e adobes. De modo geral havia bastante poeira e pouca limpeza.

As primeiras noites não foram de ótimo sono, passei uma semana me despertando com dor de garganta, com um muco na garganta que parecia que não passaria nunca; depois apareceu uma alergia na minha cintura, que demorou três semanas para sair. Nesse período, a Marcela e eu tivemos vários desacordos, discutíamos quase uma vez ao dia... um estresse que imagino que colaborou para baixar minha imunidade.

Foto 2: Pinturas - Marcela; Transporte de Adobes - Alan.

Na casa trabalhamos bastante com terra, revestindo alguns muros interiores e finalizando com uma camada de sacos de juta, um acabamento bastante interessante e bonito. Além disso a Marcela pintou paredes internas em diversas ocasiões. Era uma atividade prazerosa, o lado negativo era que não havia muito horário para trabalhar e para comer, e nós não estávamos dispostos a labutar mais de cinco horas por dia, que é o sugerido no Workaway.

Ficamos três semanas por lá, período em que conhecemos outros quatro voluntários: Yago, Larissa, Martin e Katherine, respectivamente polaca, brasileira (com um projeto de viagem muito interessante chamado Latino América Desde Adentro, www.ladesdeadentro.com), tcheco e francesa. Com Martin, inclusive saímos num sábado para conhecer a famosa noite da cidade, indo em alguns bares com mais dois amigos chilenos que são apaixonados pelo Brasil. Nessa noite nós voltamos para casa mais cedo e Martin terminou indo num bar e danceteria lgbt; no outro dia, quando apareceu em casa às oito da manhã, nos disse que pela primeira vez em sua vida um homem lhe havia pagado uma bebida.

Foto 3: Larissa, Martin e Kthrine respectivamente. Faltou só a foto com Yago.

A comida feita por nossa anfitriã era vegana (vegetariana, sem ovos e leite) e muito saborosa. Todos os dias, após o almoço, comíamos de sobremesa mousse de chocolate, feito com cacau, bananas e palta (espécie de abacate)... Como diria minha mãe, um desbunde!! ;)

Em um final de semana demos uma escapadinha até Santiago, para conhecer um pouco a capital, onde fomos hospedados pela linda Camila, que nos deixou super à vontade para entrar e sair de sua casa e nos deu várias dicas de onde ir. Talvez por não esperar muito da cidade, acabamos gostando. Conhecemos alguns morros, feira de artesanatos, vimos bastante música e arte nas ruas e praças, mas o mais impactante foi nossa visita ao Museu de la Memoria, um museu dedicado ao período da ditadura militar no país, que ocorreu de 1973 a 1990; me impressionou tanto que escrevi um texto específico sobre este museu, e que publicaremos aqui no Blog em algumas semanas.

Outro fato que nos chamou atenção no Chile foi o Teletón, uma maratona televisiva anual de dois dias exibida em todos os canais chilenos que objetiva arrecadar dinheiro para instituições que cuidam de crianças com descapacidade motora. Ele também ocorre no Brasil, no SBT. A fissura no Teletón aqui é tão grande que as pessoas acompanham pela televisão e ficam torcendo. Neste dia estávamos em Santiago, eu fui usar um banheiro público e o cobrador do banheiro estava vendo TV e dizendo “Vamo Chile, Vamo Chile!!!”; eu perguntei “A seleção [de futebol] do Chile está jogando?”, ele levantou os olhos com naturalidade e um pouco de surpresa e respondeu “Não, é Teletón”.

Foto 4: Amiga Josefina e Italo, numa linda e muito esperada visita.

Durante este período recebemos a visita da nossa amiga Jose, argentina que conhecemos em Bariloche quando trabalhamos no Hostel. Sonhadora e eficiente, se tornou uma amiga especial, pois estamos na mesma sintonia. Viajante, depois de Bariloche ela havia ido para Santiago do Chile e agora estava vivendo em Mendoza, na Argentina. Com ela e Ítalo fomos conhecer Viña del mar e aproveitar o dia de sol para entrar no famoso e gelado Oceano Pacífico; apesar do forte sol e da praia cheia, as pessoas não estavam na água, e eu, para não dizer que não entrei, consegui permanecer 2 longos minutos nessas águas geladas...incrivelmente geladas!!!!

Esses foram nossos primeiros dias na famosa Valparaíso, mas o ponto alto de nossa estadia na cidade ainda estava para chegar, com a visita da família da Marcela... direto de Minas Gerais sô!! Por isso o próximo diário de bordo será especial, escrito pela Marcela.

Vamo que vamo!!

Dia 243 ao 267 – 21/11/2015 a 15/12/2015

De: El Quisco, Chile

Para: Valparaiso, Chile

Gastos até agora: R$13.902,38

Gastos por dia: R$52,07

Distância pedalada até agora: 3.310km

Distância percorrida de carona, de ônibus, de barco e de trem até agora: 6.841km

Furos de pneu até agora: 10

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