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Foto do escritorOs Antípodas

Sementinhas do amanhã

Atualizado: 15 de abr. de 2020


Na maior parte da minha infância morei em casa, sempre com uma área grande, com árvores frutíferas enormes, grama, terra, flores espalhadas − um verdadeiro reino para qualquer criança. Brincava do raiar do sol até o entardecer.

Subir em árvores, fazer montinhos de terra no chão, plantar flores, criar tatu-bolinha... que maravilha! Imaginação não faltava para inventar uma nova brincadeira!

Cresci. Hoje, formada em nutrição, trabalho em uma escola particular infantil, localizada num bairro tradicional de BH (Belo Horizonte), tendo sua comunidade composta por uma classe média alta. Tenho como clientes, se é que posso defini-los assim, crianças que vivenciam uma realidade oposta à minha.

Atualmente, as crianças estão afastando-se do viver real e tornando-se parte do virtual numa rapidez que me assusta. Os novos brinquedos e brincadeiras dispõem de uma tecnologia que meu conhecimento não consegue acompanhar.

Uma realidade muito diferente da que vivi: como sementes que tentam sobreviver no asfalto; vejo crianças crescendo em espaços diminutos e sua enorme energia, tão latente nesta fase da vida, perder-se entre quatro paredes defronte uma tela de computador ou televisão.

E engana-se quem acha que essa realidade pertence somente àqueles detentores de uma renda mais elevada. A mudança já está presente nas classes mais desfavorecidas.

Mas o motivo que me leva a escrever é relatar uma experiência. Depois de gozar uma semana de férias, um grande amigo me orientou, ensinando-me a respeito da compostagem.

A compostagem pode ser definida como uma decomposição aeróbia acelerada e controlada de substratos orgânicos em condições que permitam a ação de microrganismos. O resultado desse processo é um produto final suficientemente estabilizado, que pode ser considerado um enriquecedor do solo, podendo ser aplicado para melhorar as suas características, sem que haja uma contaminação do meio ambiente. (Fonte: Manual Básico de Compostagem – adaptado de MEIRA, A. M.; CAZZONATTO, A. C.; SOARES, C. A. ­- USP Recicla, 2009)

Entre as vantagens da compostagem, podemos destacar: economia de espaço físico e gastos com aterro sanitário; diminuição dos gastos com transporte dos resíduos; reciclagem dos nutrientes contidos no solo (devolvendo a ele os componentes de que precisa) e reaproveitamento agrícola da matéria orgânica, gerando um composto que pode ser usado em vasos e jardins. (Fonte: Manual Básico de Compostagem – adaptado de MEIRA, A. M.; CAZZONATTO, A. C.; SOARES, C. A. ¬- USP Recicla, 2009)

Aproveitando o período de colônia de férias no meu local de trabalho, apliquei todo o conhecimento adquirido, ainda tímida e receosa quanto aos resultados, mas com esperança de ver aquelas pequenas crianças, sementinhas do amanhã, em contato com algo perdido nos dias de hoje.

AFINAL... por que não? Não importa a idade, o conhecimento é para a vida toda − pensei.

Quem sabe este trabalho não possa gerar frutos? Trabalhar a consciência ambiental, a sustentabilidade, o reaproveitamento de resíduos, uma gama de positividade, e gerar adubo para a nossa futura hortinha? Objetivar o envolvimento de todos no processo de produção do que eles irão consumir? Alimentar a curiosidade?

Aproveitar cada gotinha de energia que escorrer pelo rostinho daqueles pequenos é um trabalho incrível.

Alguns funcionários reprovaram por medo ou insegurança − não os julgo. Mas minha, digamos, ousada experiência trouxe resultados mais positivos do que eu mesma podia imaginar. As respostas vieram ao meu encontro antes mesmo do previsto e para a surpresa dos demais.

Depois da exposição da maneira como iríamos trabalhar, os olhos de cada criança se acenderam diante da nova vivência. O entusiasmo foi contagiante quando expus que o trabalho seria com lixo – o que dificultou até o meu controle da situação, visto a louca magnitude dos pequenos em colocar logo a “mão na massa”, ou seja, no lixo. Fui orientada a incentivar o uso das luvas, apesar de acreditar ser o contato algo essencial. Mas, antes mesmo de dar início, lá estavam eles mexendo, pegando, disputando quem retirava a maior quantidade de lixo verde do balde em que se encontravam. Se pensam que usaram luvas, enganam-se. Aquelas crianças, com ingenuidade e alegria, mostraram a delicadeza e a simplicidade e, em cada atitude, uma lição de vida. Queriam sentir o quebrar das cascas de ovos como quem ganha um brinquedo novo, o rasgar de um bagaço de laranja como quem descobre algo extraordinário, até o simples catar de folhas secas magnificou aquele momento.

Criançada com a “mão na massa”

Realizamos o processo como quem brinca. A criatividade, a espontaneidade brotavam, num piscar de olhos, a cada minuto da nossa vivência. Como essa vivência enriqueceu a mim e a todos que a presenciaram!

Preparando o composto orgânico. Todo resíduo da cozinha virando nutriente para a horta

Pensamos fazer felizes nossas crianças, crescidas e criadas em apartamentos, cercando-as dos mais caros brinquedos e, quando percebemos, são em momentos simples como o que experimentamos que elas podem gozar dessa maravilhosa fase da vida e viver verdadeiramente como crianças! Será que não estamos deixando de lado o verdadeiro sentido da infância?

Por que momentos simples não são valorizados? Por quê?

A cada dia, minha satisfação é tamanha diante de tão pequeno gesto, que não me contive em deixá-lo aqui registrado e hoje poder compartilhar com todos vocês! A alegria que sinto todas as manhãs quando chego ao meu local de trabalho e sou surpreendida com um “pequeno” agarrando minhas pernas e perguntando se não vamos mexer no lixo − como eles se referem − é algo inexpressível.

Folhas secas para misturar ao adubo orgânico.

Vamos resgatar a criança de dentro de nós e fazer com que momentos como esses façam parte da infância de nossas crianças, tão sedentas do natural! Momentos simples que podem perdurar por toda uma vida. Façamos isso criando consciência ambiental, estimulando o consumo de alimentos orgânicos, tão importantes e necessários a nossa saúde!

Chega de industrializados, alimentos que caracterizam uma sociedade doente.

Quem foi contaminado pelo vírus da acomodação sempre deixa para amanhã o que poderia fazer hoje. Nosso futuro está em nossas crianças − são as sementinhas que plantamos. Depende de nós zelar por elas, cuidar delas e orientá-las!

A beleza está na simplicidade. Somos agricultores que recebem apenas as sementes do amanhã, precisamos aprender a plantá-las, cultivá-las, colhê-las.

“Se planejamos para um ano, Plantamos arroz;

Se planejamos para dez anos, plantamos árvores;

Se planejamos para cem anos, preparamos pessoas.”

Antigo ditado Chinês, extraído do livro Manual do Arquiteto descalço.

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