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  • Foto do escritorOs Antípodas

O medo só atrapalha

Atualizado: 8 de abr. de 2020


Projeto Ciclos – Diário de bordo 40.

Bem cedo cruzamos a fronteira da Nicarágua com Honduras. Os trâmites foram tranquilos, mas tivemos que pagar quatro dólares para sair de um país e seis para entrar no outro; essa parece ser a regra aqui na América Central. Ainda na fronteira trocamos um pouco de dinheiro.

Em nosso primeiro dia de pedal a paisagem era seca, parecida com um cerrado; havia bastante poeira no ar, como na Nicarágua, com a diferença que o território nicaraguense é plano, enquanto o hondurenho é ondulado, com subidas e descidas.

Nossa primeira parada no país foi na cidade de Choluteca, na casa de Lésbia e Victor, que nos receberam através da rede Couchsurfing (couchsurfing.com). Gostamos de ficar na casa de pessoas do país porque normalmente é uma boa maneira de recebermos uma introdução da cultura, da vida e da história local. Ela nos contou um pouco sobre a história recente de Honduras com um ponto de vista crítico (golpe de estado, aprovação da reeleição sem mudar a constituição, protestos nas ruas, mídia controlada pelo governo, apenas uma mídia independente), e Victor nos deu dicas sobre as estradas e nos ajudou a trocar dinheiro.

Honduras (e também El Salvador) tem fama internacional de países violentos, por causa das chamadas “pandillas” ou “maras”, que são como gangues que controlam o crime organizado, atuando em determinadas áreas de cidades grandes como Tegucigalpa (capital) e San Pedro Sula, cobrando “impostos” de comerciantes e empresas de transporte e tendo participação no narcotráfico. Dentro dos presídios eles também estão organizados, como ocorre no Brasil com o Comando Vermelho ou o Primeiro Comando da Capital, por exemplo.

Esse clima de medo é fortemente fomentado pela mídia, segundo nossa anfitriã Lésbia e, mais tarde, segundo nossa amiga Gabriela. Pudemos confirmar isso na mídia escrita. Seguindo este clima, Marcela só queria ficar na casa de amigos ou em hospedagens pagas no país, e não havia nada que eu pudesse fazer para mudar esse sentimento.

Assim, tínhamos combinado de evitar a capital ir até a cidade de Guascarán, perto de El Salvador, e tomar um ônibus, pois a Marcela estava com medo de pedalar por essa área pouco povoada. Mas ela mudou de opinião e quis tomar o ônibus uns 100km antes, no trevo para Tegucigalpa. A estrada estava em reparação e havia uma grande fila de carros parados, entre eles um ônibus. Sem pensar muito, ela falou com o cobrador do ônibus e tomou a decisão de irmos até a capital. Apressados, pois o trânsito podia ser liberado a qualquer momento, vieram dois senhores pegando as bicicletas sem desmontá-las, para coloca-las no bagageiro, e eu os ajudei; mesmo assim, pela pressa, ficaram mal colocadas e havia o risco de quebrar algo.

Fomos até Tegucigalpa e descobrimos que a parada final não era em uma rodoviária, mas na rua. Achamos estranho... o ônibus era ilegal ou a capital do país não tinha uma rodoviária? O outro ônibus que tomaríamos estava a umas quadras dali, também na rua... Era um micro-ônibus; colocamos as bicicletas no bagageiro do teto, junto com outras malas, e seguimos até Comayagua, um trajeto de uma hora e meia mais ou menos. Na cidade baixamos as bicicletas (eu subi no teto do ônibus, atrás do responsável, para me certificar de que as bicicletas estavam sendo bem tratadas) e as montamos ali na rua mesmo, enquanto ônibus chegavam e partiam do ponto. As bicicletas sempre sofrem nesses transportes, não sei como resistem. Eu estive descontente todo o dia, pelas mudanças de planos, pelos ônibus e principalmente por estarmos nos movendo guiados pelo fantasma do medo.

Em Comayagua rodamos um pouco perguntando sobre hospedagem e terminamos ficando num hotel simples por três noites, pagando quase 50 reais por noite. Experimentamos a tradicional “baleada”, uma tortilla grande de trigo, com recheio de queijo e pasta de feijão. Descansamos bastante e vimos bastante TV. Depois de quase dois anos viajando, não buscamos mais os pontos turísticos das cidades que visitamos. Temos mais prazer em ficar no quarto do hotel cozinhando e vendo televisão, do que ir visitar sua catedral central e pagar cinco dólares para subir à sua cúpula e ver toda a cidade...

Saindo de Comayagua com destino ao norte tivemos bastante subidas, como na Cuesta de la Virgen, mas sempre com bom acostamento. De tarde chegamos à região do Lago Yojoa, e ali, depois de 89km pedalados, acampamos num lugar chamado Honduyate. Como era segunda-feira, não havia ninguém, tínhamos todo o espaço para nós, inclusive uma piscina e ducha quente (que não víamos há um bom tempo). Foi um bom lugar para comemorar dois anos de casados!! Nosso jantar especial teve amendoim torrado com cerveja de entrada, macarrão com creme, salada, e batatas fritas que compramos em um restaurante ali perto, de prato principal.

No outro dia continuamos aproveitando o Lago Yojoa; desta vez fomos até as Cataratas de Pulhapanzak, a 30km do Honduyate. Trecho com subidas e descidas, bonito, sempre com bastante verde e pista simples. As Cataratas tem uma boa infraestrutura, com banheiros limpos, restaurante, wifi, lugar para acampar, piscinas naturais, um mirante para a Catarata, quiosques e serviços de tour. Passamos o dia de boa, nadamos, comemos, cozinhamos, acampamos e vimos um filme de noite.

Nos despedimos do Lago Yojoa no próximo dia, quando fomos para a grande, e com fama de violenta, San Pedro Sula. Pedalamos 61km e paramos num shopping, onde fomos muito bem tratados pelos seguranças do lugar, que buscaram um lugar onde poderíamos “estacionar” nossas bicicletas. Caçamos um wifi livre no local e avisamos a Gabriela, uma amiga que conhecemos quando trabalhávamos no TIBÁ, no Brasil, que havíamos chegado. Nunca pensamos que iríamos visita-la em seu país!!

Sua família nos tratou como amigos que não viam há muito tempo. Nos deram casa, comida, se preocuparam por nosso bem-estar, Gabi nos levou para conhecer a cidade, fomos à praia, e até fizemos um hemograma completo para ver como estava nossa saúde com a irmã da Gabi, que trabalhava num laboratório.

Em Honduras tivemos mais furos nos pneus das bicicletas que nos outros países; em seis dias de pedal tivemos cinco furos nos pneus. Talvez fosse hora de trocá-los. Trazíamos conosco dois pneus novos desde o Brasil, que ainda não havíamos usado, e resolvemos coloca-los, um em cada bicicleta, na parte traseira, onde há mais peso e onde mais se gasta o pneu. Além disso, o pai da Gabi ficou impressionado com o estado de nossas correntes, catracas e coroas, que estavam sujas, e se ofereceu para limpá-las. Se há uma coisa que aprendemos na viagem é aceitar ajuda, hehe!! Gracias Gabi e família pelos lindos seis dias!!

No dia em que partimos, nos deram muita comida para levar e ainda nos conseguiram uma carona até um pouco depois de Puerto Cortés, uns 60km. Levantamos cedo para nos despedir da mãe da Gabi, que nos desejou boa viagem após nos abraçar com os olhos cheios de lágrimas. Às 8:40, depois de nos despedirmos de todos, subimos no caminhão. Viagem tranquila, descemos e pedalamos mais 30km por uma estrada tranquila e plana, e mais uma vez tivemos um furo no pneu. Ótimo, pois neste momento descobrimos que já havíamos passado a cidade onde pararíamos. Voltamos 4 km e encontramos uma hospedagem econômica para descansar, pois no outro dia cruzaríamos a fronteira com a Guatemala. Se me perguntarem como foi que passamos pela entrada da cidade sem notar, estando em bicicleta, não sei explicar, hahaha.

Terminamos o texto com uma frase simples e sábia que uma menina de oito anos um dia disse à Marcela, e que já repetimos aqui no Blog mais de uma vez:

“O medo só atrapalha” – Helena, filha de Ernst Gotsch.

Informações da viagem:

Mapa do trajeto:

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